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Abriu a janela e se sentou. Deixou o pé a balançar rumo à rua abaixo de seu apartamento. Às vezes morar no sétimo andar tinha suas vantagens. A lua estava posta no céu, e para melhorar a situação, tirou um cigarro da carteira.


Ela estava quase vazia, teria que economizar no domingo, o famoso dia do não-tem-nada-aberto-e-não-senhorita-não-iremos-abrir-nada-pra-você. A brisa corria entre seus cabelos, deixando algumas mechas para trás, outras tampando-lhe a visão.

Começou a refletir sobre ela mesma e, no meio de umas boas confusões, acabou reparando que tinha uma vida tipicamente casual. Um empreguinho de merda, poucas convicções, uma montanha de contas a pagar, família no outro lado do país, pequenas doses de confiança por mês, e um coração partido.

Características que talvez acabamos não vendo juntas em todas pessoas do planeta, mas sabemos que, em uma ou em outra, sempre iremos achar uma dessas definições. E a do coração partido é a mais frequente delas - pois quem não está tentando reconstruir seu próprio coração neste exato momento, por favor, que atire a primeira pedra. Por fim parou de se angustiar com esses assuntos. Eles eram como tinham que ser, e não mudariam por tão cedo. Isso é tudo que se precisa saber.

Voltou a olhar o céu. A imensa lua cheia não estava mais tão grandiosa, nuvens acabaram de lhe ocultar. Acendeu outro cigarro, se deixou sentir a boca cheia do nada com gosto de fumaça. Inspirou aquilo para dentro de si.

Era apenas nicotina, mas pela primeira vez no dia se sentiu cheia de alguma coisa. 

 

NICOTINA

Lembram da Letícia? Ela foi nossa primeira indicação de literatura, agora ela voltou com novos textos, que aliás estão muito bons, que você poderá ler ai embaixo. Se você ainda não leu os antigos textos dela CLIQUE AQUI.

"16 anos, prestes a concluir o Ensino Médio. Aspirante a muita coisa. Simpatiza com a literatura, psicologia, fotografia e qualquer meia coisa que se relacione ao Chico Buarque. Vai ser o que tiver que ser."



 

Blog: http://takenforafood.blogspot.com.br

Contatolsdylan@hotmail.com

 
 

Passei a gostar das imperfeições, me acostumei com o nariz grande dele. Por passar tanto tempo longe de casa, passei boas horas pensando naquele nariz e, dentro desse pensamento, acabei por habituar-me a grande parte dos seus defeitos. Sua estadia era pequena demais e eu gostava de observar cada parte dele. A despedida já batia à porta, teria que me conformar novamente com apenas um de todos seus membros, talvez o mais torto dele.

Um dia ele quebrou o nariz,  ficou mais desajeitado e grandiosamente esquisito que o normal. Foi a partir desse ponto que percebi que nossa história não era das mais inexistentes. Eu passara a gostar dele, em um todo. O nariz deslocado parou de ser um defeito pra ser uma das características dele que eu mais adorava.

Era como se fosse um diferencial, como se no meio de milhares de garotos com o mesmo corte de cabelo e o mesmo tamanho, eu fosse encontrá-lo, porque o nariz estaria lá, e eu repararia nisso. 

Eu ainda paro pra pensar nele. Nele, em seu nariz, e em todas reflexões que já fiz a respeito. É esquisito. Dentro da minha cabeça, o corte de cabelo e sua altura continuam os mesmos, mas há uma coisa que está fora do lugar - como o nariz esteve. 

Parece que as características externas não são mais importantes que as internas, que o que acarreta uma mudança física pode voltar ao normal mas, uma vez que isso ocorre internamente, é mais difícil de se normalizar.

Quando eu penso nele, também lembro que não posso esquecer. 

La nez.

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Toda Quarta-feira seu texto no Cartaz Branco

Letícia Lopes - 16 anos, escritora
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