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E se Hobbes fosse asgardiano?
Por Jan Santos
Veja + X-Pressão: Homo Superior x Homossexual
 

Dentre todos os filmes de super-heróis baseados em HQ’s, Os Vingadores (Joss Whedon, 2012) é considerado pelo grande público como, talvez, o melhor deles. Seja pela ação, pela dinâmica ou por qualquer outra característica que se busca em um blockbuster, o filme também traz uma breve, porém interessante, reflexão filosófica. Loki, em minha opinião, muito bem interpretado por Tom Hiddleston, é o principal antagonista da trama, um deus asgardiano exilado por seus crimes contra Thor, seu irmão, e contra todo o reino de Asgard. Em sua primeira aparição no longa, o deus da mentira conversa com Nick Fury (Samuel L. Jackson), diretor da SHIELD, e têm um curioso diálogo:

 

 

Loki – Eu vim lhes oferecer um mundo livre.

Fury – Livre de quê?

Loki – De liberdade.

 

Um mundo livre de liberdade, essa é a proposta de Loki. De acordo com ele, um mundo sem liberdade seria o sinônimo da verdadeira paz, pois não haveria as questões conflituosas que perturbam o coração humano quando a escolha lhe é apresentada. Sendo ele conhecido como o Trapaceiro, permanece a dúvida de que isso não passe de um argumento para justificar sua ambição pelo domínio e propósitos vingativos. Contudo, é algo a se levar em conta.

 

 

O filósofo político Thomas Hobbes, em seu Leviatã, considera o homem essencialmente mau, movido unicamente por seus desejos, e por isso incapaz de viver harmoniosamente sem a existência de uma entidade que subjugue sua natureza. Portanto, defende a instituição de uma força maior, capaz de tomar para si as rédeas do poder e determinar todo um contexto social, econômico e político, criando assim um sistema organizado (tudo isso abstraído de uma simples aula de filosofia, sou um tanto leigo). É esse o ponto de consenso entre Hobbes e Loki: a humanidade não sabe lidar com sua liberdade por conta própria.

 

Durante o filme, vemos Loki domar uma multidão aterrorizada, ordenando que se ajoelhem. Ao obedecerem, o Trapaceiro diz as palavras-chave de sua motivação: Viram? Não é mais simples? Não é esse o seu estado natural? Vocês foram feitos para ser governados. Antes em concordância, aqui, o deus e o filósofo parecem se desentender. Enquanto Hobbes descreve um homem selvagem, naturalmente egoísta, que depende do açoite da autoridade maior para sobreviver, Loki acredita que os humanos nasceram condicionados a aceitar o domínio. Em ambos os casos, a submissão é uma necessidade, mas movida por instintos diferentes. A despeito disso, Loki adoraria ser a serpente Leviatã descrita por Hobbes, a força que se põe acima dos demais e estabelece a ordem. Para tanto, o deus se utiliza tanto de artifícios como controle mental quanto das formas mais cruéis e aprazíveis de assassinato.

 

 

É até mesmo irônico perceber que, na apaixonada necessidade de se provar superior aos humanos, Loki se torna o que seria para Hobbes o mais selvagem deles. Uma personagem enigmática do filme caracteriza Loki como preenchido por sua ambição, ou seja, se coubesse a Thomas Hobbes julgar o direito de governar do deus das mentiras, ele talvez dissesse que não há como um homem em um estado tão primitivo se tornar uma força absoluta, um deus, de fato. Mesmo sendo uma divindade, seu instinto essencialmente humano o privaria de ascender como o verdadeiro governante de todos nós, tornando sua derrota inevitável.

 

 

 

Ainda que seja inadequado para sentar em um trono, Loki apresenta uma questão interessante: somos feitos para ser governados. Há quem diga que somos livres, mas no fim, não seremos livres apenas para escolher a melhor forma de sermos dominados? Isso não soa como a visão que andamos ignorando sobre democracia? É sempre mais fácil se ver livre da dúvida de uma escolha, do dever de ser responsável, delegando tal poder a outros. Loki é perverso, não devemos deixa-lo assumir os gabinetes, mas o fato é que há um gabinete a ser ocupado, e eventualmente, alguém o fará. O Leviatã precisa ser absoluto para governar, precisa ser insensível, e cabe à democracia eleger quem de nós é o mais adequado. Então, caro leitor, quem seria um Loki melhor?

 

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