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EP - Eu Sou a Maré Viva (2014)
Fresno
 
Por Mateus Picanço
 

 

Primeira cobertura instantânea do Cartaz Branco. Iniciei em alto estilo, com um belo trabalho nas mãos. Sou fã dessa banda gaúcha há bastante tempo e acompanhei tal trabalho bem de perto. Acompanhei uma evolução ideológica e musical imensa de uma banda extremamente competente, que muito já foi julgada por suas influências "pop-degenerativas".

Já havia me impressionado demais com o último trabalho, o disco Infinito, mas confesso que este emocionante EP de cinco músicas até me motivou a escrever novas canções.

 

A razão que justifica o disco "Eu Sou a Maré Viva" no topo da minha nova lista de classificações por nota, com absurdos 96 de 100, é a tamanha maestria e equilíbrio que a Fresno demonstrou em tal trabalho.

 

A primeira faixa, "À Prova de Balas", confirma o novo rumo que a Fresno está tomando dentro do cenário do Rock independente brasileiro. Uma postura forte e convicta quanto ao próprio trabalho musical e até mesmo espiritual, a primeira faixa do disco é marcada por variações, rítmicas e melódicas, a fim de sustentar um refrão incisivo e até um pouco grosseiro. Um tapa na cara, para chamar atenção do viajante. Quase um minuto e meio de "trasmissões de rádio" manipuladas concluem a canção, tornando-se uma anunciação do que vai ser discutido no decorrer do disco: inquietações quanto ao destino e comportamento humano perante as mazelas que ele mesmo criou.

 

 

Manifesto, com participação do rapper Emicida e do artista da música popular brasileira, Lenine, abre a rodada de cartases líricas tão típicas da Fresno. Com as vozes de Lucas e Lenine se dobrando no decorrer de declarações e dúvidas inquietantes, percebo um apelo bem feito. A canção objetiva chamar a atenção com versos crus e instigantes. O arranjo que a acompanha se passa por uma balada estilizada com o peso de guitarras distorcidas ao fundo, e melodias escritas em cordas. O tom melancólico da canção perdura por toda a sua extensão. O tal manifesto é, também, uma confissão. Um outro tapa, para deixar a bochecha vermelha. Esse doeu.

 

 

A faixa título, em minha opinião, é a canção mais harmoniosa e liricamente tocante que tive o prazer de escutar neste ano e a peça de trabalho mais relevante da Fresno até hoje. Ela resume as esperanças do eu lírico sempre presente nessas últimas canções, o possível encontro com a paz. Ou melhor, o certo encontro com a paz, porque a maré viva atravessa o ar e quem entrar vai se afogar. A canção é delicada o suficiente para demonstrar um desenvolvimento lírico carregado, não falhando com o fator instrumental do todo. Uma bela canção, com um belo arranjo, cantada com muita emoção.

 

A penúltima canção de trabalho segue o desenvolvimento de "Eu sou a Maré Viva", mostrando o processo de reencontro pessoal do eu lírico. As guitarras com delays U2anos preenchem bem a necessidade harmônica da letra da música. Os intensos coros revelam a simplicidade do arranjo e o rebuscamento de composições vocais do punk rock da última década. Considero "O único a Perder" a canção mais eclética do disco, utilizando de vários fatores de influência da banda para tornar-se única.

 

Infelizmente, chegando ao final, olhamos a Fresno decolar com a faixa Icarus. O título faz referência ao personagem da mitologia grega que pretendia usar de asas para fugir do exílio na ilha Creta, mas acabara por cair, por conta do derretimento da mesma (a tal era constituída de cera e penas). A análise que o eu lírico faz de tal estória gira ao redor da ideia de que "se existem prisões, é para nós fugirmos". Há barreiras que só conseguem ser superadas com a coragem distinta de quem se encontra realmente motivado, ou, em última instância, desesperado. Icarus foi tão tolo quanto corajoso ao tentar voar em asas de cera. A faixa finaliza o processo criativo do albúm em grande estilo, ao utilizar de passagens harmônicas muito interessantes, com um riff de guitarra presente, porém versátil o suficiente para se adaptar aos momentos da música.

 

Para os que esperavam uma obra pesadíssima, estilo "Cemitério das Boas Intenções", vocês estão no lugar errado. Não entendo a denominação "pesado" em referência a este disco. Acredito que esteja na medida certa entre o lírico e o rockeiro. Pesada mesma é a tamanha carga emocional que tal obra traz ao ouvinte, uma marca registrada da Fresno. "Eu sou a Maré Viva" é um disco grandioso por essência. Justifico o 96/100 com minha sincera admiração. Parabéns mais uma vez, Fresno.

 

 

Escute a primeira faixa do EP: 

 

 

Mateus Picanço é resenhista do Cartaz Branco. Tem 18 anos e pretende cursar Engenharia Acústica. É entusiasta da poesia e incipiente cronista. Além de participar de uma banda.

 

Resenha:

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