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Nunca entendi o sentido da vida das pessoas... para que nascemos? Isso parece bem clichê, mas é mais pura verdade. Não temos utilidade.Meu nome é Cecília, e eu estou morrendo.

Literalmente morrendo.

 

Tenho um problema no coração e preciso urgentemente de um transplante. Há quanto tempo estou internada? Desde os três anos.

E eu tenho dez.

Passei a minha vida toda nesse hospital, esperando alguém para me dar um coração. Um de verdade, de preferência que seja compatível comigo.

 

Meu irmão vem me visitar todos os dias, ele e mamãe. Josh, esse é o nome dele. Meu irmão é um chato... Não tem confiança em nada e acha que tudo tem um fim. Menos eu.

Sou a única coisa que ele acredita. Mas tenho certeza que ele sente a necessidade de acreditar porque estou morrendo. (Patético).

 

-- Ei, Ceci... - ouvi ele me chamar.

 

 

-- Sim?

Eu estava sentada no parapeito da janela do hospital como sempre. Tubos me conectavam a uma máquina ao lado de minha cama. Mas eu sempre a arrastava para perto da janela, porque lá eu via tudo e todos.

 

Ali, sentada naquela janela eu via crianças entrando e saindo.

A maioria entrava chorando, triste... Mas todos que saíam, sempre olhavam para o céu, como se quisessem provar a si mesmo que os raios de sol que esquentavam-lhe o rosto eram mesmo reais... Eu ficava imaginando quando faria isso.

 

 

 

-- Vai nevar hoje.

Sorri sozinha. Sempre quis brincar na neve.

Quando nevava, Jhon sempre trazia uma bola de neve escondida entre suas mãos.

Eu a tocava com delicadeza e cuidado... Tinha desejo de levantar e correr pra fora do hospital. Mas, a máquina a qual estava presa, é responsável pelo batimento fraco do meu pequeno coração. Se eu saísse, meu coração pararia em poucos minutos.

 

-- Jhon?

-- Diga.

Jhon tinha 17 anos, era loiro com olhos azuis a cópia de mamãe. Já eu,tinha cabelos pretos e olhos castanhos... Igualzinha a papai. 

-- O que acontece quando a neve derrete?

 

Ele olhou-me confuso.

-- Ora, Ceci quando a neve derrete ela...

-- Tudo bem. - Eu o interrompi. -Eu sei o que acontece. Ele sorriu.

-- Você sempre pergunta isso Ceci.

Fingi um sorriso.

Sim, eu sabia.

 

 

"Quando a neve derrete ela vira água." É o que ele sempre dizia.

E era verdade. Tudo tinha um fim... Até a neve mais fria, do inverno mais longo. Até ela derrete e vira água.

Assim como meu coração. Não importa quanto tempo dure, ou o quanto ele seja forte...Um dia ele vai parar. E virar pó.

Os meses passam com uma facilidade. Passam rápido mesmo? Ou será que sou eu que nem ligo mais no tempo?

Pouco importa. Não é o tempo que vai me salvar...

 

A cada dia eu ficava mais triste, menos esperançosa. Mais fraca, menos motivada. Nem para a janela eu ia mais. Foi no dia em que eu me sentia péssima que ela apareceu pela primeira vez.

Uma bolinha rolou do corredor e veio para meu quarto...

 

 

-- Jhon esqueceu a porta aberta. - Eu disse quando a bolinha entrou. Não havia ninguém para me escutar, mas falei só para ouvir minha voz. Pra ter certeza de que eu ainda a tinha.

 

-- Tem alguém aí? - Perguntei

Uma menina estranha de cabelos ruivos, roupas pretas e all star surrado entrou no quarto.

-- Ah, encontrei. - Sua voz era meiga e doce. Não combinava nem um pouco com seu visual.

-- Bolinha sapeca hahaha - Ela riu sozinha.

Foi aí que ela notou que não estava sozinha.

A garota me olhou com seus lindos olhos verdes.

-- Oi!

 

Ela era animada. Até demais.

-- Oi... - Eu disse, timidamente.

-- Desculpa ter entrado sem bater... -Desculpou-se sorrindo.

-- Meu nome é Katte.

Katte andou até a maca e sentou-se na ponta, ao meu lado.

-- Prazer. - Ela apertou minha mão e sorriu de novo.

-- Prazer... Sou Cecília.

-- LIA!!! -Ela gritou e começou a rir histericamente.

-- Meu nome não é Lia... É Cecília, e meu apelido é Ceci.

-- Nããão! Haha, vou te chamar de Lia, tá?

-- Mas, eu... - Tentei argumentar.

-- Nossa! Que vista linda!

Katte levantou e sentou-se no parapeito da janela, observando a neve.

 

-- Lia... O que você acha que acontece quando a neve derrete?

Era a mesma pergunta que eu havia feito a Jhon. Eu sabia a resposta. Mas a odiava.

-- Ela vira água. -- Eu disse fitando a neve e amaldiçoando a mim mesma por estar ali.

Então ela riu. Riu muito. 

Eu não entendi.

-- Ai Lia... Hahaha. Você é bobinha. Hahaha.

Ela continuou rindo, até chorar.

 

-- Posso saber por que está rindo? -Eu já estava irritada com aquela garota.

-- Lia, quando a neve derrete... Chega a primavera.

A... Primavera...?

-- Katherine!- Alguém gritou do corredor.

-- Já vou! - Ela gritou de volta.

-- Tenho que ir.

Katte sorriu e andou em direção à porta.

--Eu... Espere... - Sussurrei.

 

-- Não importa, Lia. Não importa o quão longo seja o inverno, ou o quão esteja frio. A neve sempre derrete. Sempre. E aí chega a primavera.

Então ela se foi.

Primavera...Seria mesmo possível? Eu não entendi o porquê fiquei tão espantada com suas palavras... Acho que foi porque naquelas palavras eu encontrei um pouco de esperança.

 

Os dias passaram e Katte sempre voltava quando mamãe e Josh não estavam.

Ficávamos horas conversando, olhando para neve da janela do meu quarto. Ela sempre vinha de preto, blusas de bandas de rock ou personagens de desenhos animados.

 

Com o passar dos dias fomos nos conhecendo e nos tornamos grandes amigas.

Mesmo pela diferença de idade (ela tinha 15), Katte passava suas tardes conversando comigo sobre celebridades, meninos e revistas de adolescente. Ela era a única que me tratava normalmente, sem nunca falar sobre minha doença ou como meu coração ficava fraco a cada minuto que passava...

 

Mas então ela começou a faltar, vinha poucos dias ao longo da semana."Estou tendo uns probleminhas pessoais." Ela dizia.

Eu as vezes esquecia que ela tinha uma vida normal. Que ela não era uma prisioneira como eu.

Fiquei observando a neve caindo. Dali a poucas semanas, o inverno acabaria e a primavera chegaria. E por algum motivo, eu estava ansiosa por ela.

 

Jullyana Belichar

 

Atualmente caloura de Jornalismo na UFAM - Manaus, Jullyana diz que não sabe o que lhe inspira ao certo, porém busca sempre na música, filmes e livros um pouco de entusiasmo. A moça é adoradora de poemas, animes e histórias dramaticas.

 

Contatohttps://www.facebook.com/jullyana.belichar?fref=ts

 

 

Confira a primeira parte do texto de Jullyana, abaixo:

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